Ana Paula Inácio
Prossegue a camioneta
nesta irregularidade de vago
ocupado logo o da frente
com o velho cabeceando
seguindo-se os três miúdos
feios e tossicando a amargura
de casa trazem as roupas coçadas
as sombras das priscas
que o pai consome
até ao tutano a maçã roída
da rapariga do grupo
a única que ri com os brincos
de prata a tez e macilenta
a face por onde caem os olhos
e se depositam o dos rapazes
Ana Paula Inácio
POEMA FEMININO
vim para a cidade servir
servir o amor
e não uma feijoada fria
mas menina e moça
temerária
afastei-me das palavras sábias da avó
que não me desaconselhavam nem a floresta, nem os lobos
mas a cidade e os homens
e na cesta acumulou a dissimulação
que eu utilizaria como uma capa
mas enchi a cesta de morangos silvestres
queria servir com as palavras claras
do tempo dos reis e das princesas
mas o homem a quem amei
com as palavras, os cozinhados, o sexo
achou-os pesados, indigestos
como aquelas que encheram a barriga do lobo
da história que me tem servido de atalho
ai avozinha sempre deveria ter usado a capa
o homem sente a serva como rainha
e as palavras balas certeiras contra a caixa torácica.
Novidades, novidades, é que não há caçador.
Ana Paula Inácio
Ana Paula Inácio nasceu no Porto, em 1966.
Publicou:
Poesia:
- As Vinhas de Meu Pai (Quasi, 2000)
- Vago Pressentimento Azul Por Cima (Ilhas, 2000)
Contos:
- Os Invisíveis (Quasi, 2002).
Está representada nas antologias Anos 90 e Agora (Jorge Reis-Sá, Quasi, 2001) e Poetas Sem Qualidades (Manuel de Freitas, Averno, 2002).
Vive nos Açores, onde ensina Filosofia
POEMAS & POETAS: Ana Paula Inácio - Poemas
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